24.5.07

Discriminação ?

A minha querida amiga Cristina do CONTRA CAPA, que é médica, escreveu este post, que achei excelente como outros que ela tem escrito sobre saúde, a interrupção voluntária de gravidez ou a vacina contra o vírus que provoca o cancro do colo do útero, e aqui o trago para informação:

Passando por alguns blogs, deparei-me com mais uma discussão Blasfémias /Glória fácil sobre a recusa de alguns serviços de sangue de doadores homossexuais masculinos.
A questão foi imediatamente apelidada de mais um acto de Discriminação sobre os Homossexuais por quem "de direito".
Sobre este tema diria só duas ou três coisas; afinal, se toda a gente tem opiniões tão fundamentadas sobre o assunto, porque não? E faço-o com o à-vontade de quem sempre se debateu aqui pelos direitos dos homossexuais.
A primeira é que em medicina a expressão "discriminação" no sentido moralista do termo, neste tipo de decisões não existe: é ridículo, não deve ser usada e retira imediatamente qualquer base científica à argumentação. Poder-se-á chamar o que se quiser , mas não é seguramente uma discussão séria, nem médica, nem científica, nem discussão é. Em Medicina, existem estatísticas, estudos de prevalência, estudos de comportamentos e de riscos. E é a partir daí que se estabelecem critérios e tomadas de decisão.
Depois, não tem nada a ver com homossexualidade em geral, tem a ver com homossexualidade masculina: porquê? Porque a transmissão sexual de doenças virais é mais prevalente nas relações homem-homem, dentro do universo das relações homossexuais ponto final
mais ainda:
A recusa de doação de sangue de certos grupos populacionais não se aplica apenas a gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), mas a toda e qualquer população que, comprovadamente, se encontre em situação de risco acrescido de transmissão de determinadas doenças através do sangue, nos 12 meses anteriores à doação. Isso mostra, claramente, que se trata de medidas de protecção à saúde pública, como um bem colectivo, e não de incentivo ao preconceito ou à homofobia. Os grupos de risco englobam, por exemplo, parceiros de hemodialisados e transfundidos, vítimas de violação, população prisional, pessoas que realizaram piercing ou tatuagem recentemente, utilizadores de drogas, pessoas que tenham feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais sem uso de preservativo ou em troca de dinheiro, entre outros. Não se trata de orientação sexual, mas de “situações de risco acrescido”.
Porquê os HSH?
Um estudo de Soldan & Sinka de 2003 em Inglaterra, sugere que permitir a doação de sangue a gays e outros HSH que tiveram o último contato sexual há 12 meses ou mais, aumentaria em 60% o risco de doações de sangue contaminado por HIV entrarem nos bancos de sangue.
Um Estudo de Sanchez et al. dos Estados Unidos publicado em 2005, concluiu que a prevalência do HIV nos testes de triagem foi maior entre doadores que reportaram ter feito sexo com outro homem nos últimos cinco anos quando comparados com doadores que reportaram não ter feito sexo com outro homem.
Scwarcwald & Barbosa, do Brasil(país que devido à grande incidência de HIV tem estudado seriamente o problema), estimaram o risco biológico nas duas situações: caso não houvesse restrição à doação de sangue por gays e outros HSH e caso houvesse restrição. Na primeira opção, 1,4/ 100 mil doadores, em média, teriam infecção recente que não seria detectada pelo processo rotineiro de triagem em função da janela imunológica; na segunda situação, 2,1/100 mil, em média, teriam infecção que não seria diagnosticada. O que significa um aumento do risco biológico de quase o dobro. O artigo “Risco relativo para aids dos homossexuais masculinos no Brasil” de Jorge Beloqui, publicado em 2006 na revista Cadernos pela Vidda, utilizando-se de dados dessa pesquisa e de dados de 2003 referentes ao HIV, chegou à conclusão de que a probabilidade de desenvolver infecção entre gays e outros HSH é de pelo menos 18 vezes maior do que entre heterossexuais.
Apesar dos avanços tecnológicos dos testes utilizados e da sua sensibilidade, a maior ameaça à segurança do sangue é o período da janela imunológica que hoje pode ser de 11 a 22 dias para o HIV, dependendo dos testes para detecção de anticorpos utilizados. Em relação à hepatite B, a janela imunológica varia de 30 a 60 dias e para a hepatite C, de 33 a 129 dias.
Escreve Fernanda Câncio, que os TAN, têm uma fiabilidademuito mais elevada porque pesquisam o próprio vírus e o período de janela (aquele em que o teste dá negativo mesmo quando a pessoa está infectada) foi reduzido para cerca de uma semana no caso do hiv....nem que fosse um dia!
E faço lembrar que os NAT*, dirigem-se ao HIV1; ora Portugal tem uma vasta população de origem africana, que apresenta alta prevalência de HIV2, virus que no início nem era conhecido. Muitos sangues foram dados nessa altura... E que até há quem admita a hipótese da existência de um HIV3! Além disso, um indivíduo pode apresentar carga virar negativa, sendo seropositivo. Alguém arrisca uma transfusão? Definitivamente: NÃO.
Faço ainda lembrar que há uns anos, não se conheciam hepatites C, delta, etc, transmissíveis pela mesma via. Muitos mais se virão a descobrir, certamente. Por exemplo: um indivíduo com alteração das transaminases não pode dar sangue mesmo com testes de virus da hepatite B(Ag Hbs) negativos, o que representa uma evidência directa da inexistência do virus. Porquê? porque pode estar a transmitir um outro virus não detectável na altura....
Portanto, para concluir, em lugar nenhum do Mundo, apesar da evolução das técnicas, se dispensa um inquérito rigoroso ao comportamento social, sexual, como lhe queiram chamar, da pessoa. Porque este é um factor determinante da boa saúde desse dador.
A tão polémica "norma", em nenhum momento, recomenda a triagem por orientação sexual do doador, mas sim pelas situações de risco acrescido. Porque temos a perfeita noção de que, em caso de comportamento de risco, pode haver uma infinidade de infecções não detectáveis à data da doação. Tão simples como isto.
A questão deve ser analisada do ponto de vista de política pública de saúde com o objectivo de garantir às pessoas a qualidade do sangue administrado. A meta é minimizar esse risco, com o objectivo de um bem colectivo maior: a saúde da população.
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.*[Currently, donors of blood and plasma are tested for antibodies to HCV, antibodies to HIV and HIV-1 antigens, which are the virus's own proteins. However, there is still a "window period" during which a donor can be infected, but have negative screening tests. With the use of NAT for HCV, the window period is reduced by approximately 57 days (from an average of 82 days to 25 days). For HIV-1, the average window period with antibody is 22 days. This window period is reduced approximately to 16 days with antigen testing and to 12 days with NAT.]link
Adenda:
permito-me, sem autorização mas convencida de que ele não se importa, deixar aqui 2 comentários retirados do Blasfémias, feitos por um comentador que assina hotboot. porque nestas coisas, não ha como ouvir a opinião de quem lida com as situações e tem que assumir a responsabilidade (moral e legal) de zelar pela vida dos outros.....
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Nenhuma das pessoas que "opina" por aqui tem/teve alguma vez a MINIMA responabilidade em assinar um inquérito de dador para o permitir dar sangue nem teve resposabilidade na aplicação de um hemoderivado num doente. Ambas as situações já levaram médicos a tribunal (sim, por não aplicar critérios "discriminatórios"!)Ninguem aqui participou/eleborou trabalhos de infeciosidade de Hep.B/ Hep.C / HIV; ninguem qui fez estudos epidiemiológicos "na rua" para saber a prevalência de HEPB/HEPC/HIV; ninguém acompanhou o "encurtar" das janelas de seroconversão com os testes anti-HIV de 1ª/2ª/3ª/4ª geração e agora os NAT, nas faz a minima ideia e onde e como os testes podem falhar. Mesmo assim acham que se deve incluir membros com COMPORTAMENTOS de risco (não existem grupos de risco MAS comportamentos) na dádiva.... há coisas fantásticas não há? Eu assino os inquéritos dos dadores que deixo dar sangue assumindo a responsabilidade por deixar ou não alguem o fazer, enquanto ninguém assumir essa responsabilidade eu irei DISCRIMINAR quem segundo os meus conhecimentos correr risco na dádiva de sangue (para Sí ou para quem receba o sangue). ponto.
e outro:
1- Há IMENSOS estudos que provam que homosexuais masculinos têm uma maior incidência de HIV que heterosexuais... podem é datar de há 10/15 anos atrás... podem perante a actual realidade epidemiológica estar desactualizados... mas sabes quantos médicos ainda pensam que os beta-bloqueantes são contra-indicados na insuficiência cardíaca? (mantendo um pensamento dos anos 80/inicio dos anos 90)?2 É uma completa inverdade que o coita anal não leva a uma maior proabilidade de transmissão de HEP.B/HIV e só neste caso de HEP.C, evidentemente que é indiferente ser homo ou hetero. Aliás nunca foi razão de suspensão o pertencer a um grupo... SEMPRE foram os comportamentos de risco.3- Quanto fores interno, quando estudares as limitações das análises, quando tiveres dadores para aprovar à tua frente, quanto trabalhares num serviço com outros médicos (mais velhos) e enfermeiros, quando levares sangue para aplicar um doente, quando assinares todos os papeis que validam uma unidade para tranfusão (inquérito e análises) aí poderás incluir quem quiseres com a tua assinatura e a tua responsabilidade.(também já foi idealista e tive certezam absolutas quando era aluno... isso passa...)

Obrigada Cristina.

2 comments:

Cristina said...

um beijo E-Ko

obrigada eu, outra vez:)

e-ko said...

miúda,

gosto muito do que escreves para além da utilidade destes posts informativos sobre temas que conheces mais especificamente...

e sou eu que agradeço

bjs

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