21.5.07

algazarras, fraudes e insuficiências
os alinhavos do ensino privado superior

«O Governo prepara-se para alterar as leis do ensino superior e os regimes legais de governos das respectivas instituições. O processo vai adiantado. Em certos aspectos, mas só em certos, o enquadramento geral deve ser o mesmo para os estabelecimentos públicos e os privados. [...] Na verdade, todas as leis aprovadas nas últimas décadas consagram a plena responsabilidade do Estado directamente na vida universitária privada. Em poucas palavras, o Estado diz aos estudantes: podem frequentar em paz estas instituições. O paradoxo é que o Estado faz o mal e a caramunha. Depois de as ter certificado, o Governo queixa-se da proliferação de cursos absurdos, da falta de pessoal docente qualificado, da ausência de investigação, da falsidade de alguns estatutos ditos cooperativos, da qualidade medíocre de muitos cursos e dos movimentos estranhos de dinheiros em certas instituições. Muito bem. O problema é que foi o Governo que reconheceu essas instituições, que autorizou essas actividades, que não as fiscalizou, que não as avaliou devidamente, que não recompensou as melhores e não penalizou as que o deveriam ter sido. Aqueles que queriam ter alvará para abrir uma escola superior privada dirigem-se ao Governo com uns dossiers e é na base disso, mesmo sem actividades consistentes e sem experiência visível, que o Governo reconhece a utilidade pública, a solidez institucional, o valor académico, a competência científica e a qualidade pedagógica. Quando o governo reconheceu apressadamente as universidades privadas, fê-lo por razões geralmente inconfessáveis. Não resistiu a empenhos de interesses privados. Foi sensível a pressões de grupos de pessoas que desejavam recuperar um estatuto político ou público respeitável. Teve esperança de que, dessa maneira, aliviava a pressão demográfica existente sobre o ensino público. E admitiu que assim poupava recursos e podia diminuir o orçamento para a educação superior. Estas foram as principais razões. Algumas das novas instituições conseguiram vingar e desempenhar razoavelmente o seu papel, outras afundaram-se rapidamente no seu próprio caos e vegetam na sua mediocridade. [...] Se existem a liberdade de estabelecimento empresarial e a liberdade de ensino, o Estado não deve proibir a criação livre de instituições educativas. Não deve é dar-lhes um estatuto cooperativo e não lucrativo, quando não é disso, evidentemente, que se trata. Também não deve reconhecer os seus méritos científicos e académicos, quando nada sabe e não é capaz de o fazer. Nem deve interferir na sua vida e nas suas actividades, a não ser desempenhando as funções soberanas e públicas de um Estado de direito. As câmaras municipais e os bombeiros devem ocupar-se das obras desses estabelecimentos e da respectiva segurança. A administração de saúde tem a obrigação de zelar pelas condições sanitárias de instituições frequentadas por milhares de pessoas. As administrações económica, comercial e do consumidor têm o dever de acompanhar estas organizações, tal como o fazem junto dos estabelecimentos públicos de qualquer ordem. O cumprimento das obrigações financeiras e fiscais, assim como a regularidade da contabilidade, está sob a alçada da administração fiscal e também deveria estar sob a tutela do Tribunal de Contas (caso sejam entidades de utilidade pública). O reconhecimento do valor profissional dos diplomas compete obviamente às Ordens profissionais. A certificação científica e académica deverá pertencer às sociedades científicas e eventualmente ao conjunto da comunidade universitária nacional e internacional. Ao Ministério das Universidades deveria apenas competir zelar pelo entrosamento do ensino superior privado no conjunto do sistema de ensino superior nacional, garantindo a livre circulação (desde que abalizada pelo mérito) de estudantes e professores. Assim como facilitar, desde que não seja ele próprio a fazê-lo, a criação de regras e organizações de avaliação pública e informação capazes de tornar relativamente transparente e acessível este sistema público. Só assim seria justo atribuir ao Estado uma permanente função de fiscalização e não o tornar responsável por todas as algazarras, fraudes e insuficiências das universidades privadas. Já lhe bastam as públicas, para as quais, diga-se de passagem, também não deveria ter funções maternais — que, aliás, desempenha como se madrasta fosse.»

De António Barreto no Público

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