Vale a pena aqui pôr este artigo na sua totalidade, porque é dos poucos que aparecem sobre o assunto e porque só os assinantes do público online têm a posibilidade de ler. Como não tenho assinaturas online, trouxe este do JUMENTO um dos raros blogues que ainda têm preocupações sociais.
«A propósito do rendimento social de inserção (RSI), de que muito se tem falado, lembrei-me de um episódio referido pelo prof. Muhammad Yunus, criador do Grameen Bank, o banco de microcréditos do Bangladesh, e prémio Nobel da Paz, quando o interrogaram sobre o microcrédito mais significativo que ele concedera na sua vida. Contou que insistira com uma mulher, que vivia de esmolas, porque não havia trabalho para ela, que fizesse um empréstimo para comprar umas bugigangas e as vender, ganhando algo na transacção. Ela resistia, mas decidiu aceitar primeiro só uma parte, e depois o que o prof. Yunus sugeria, cerca de 2,5 dólares. Passado tempo, ao encontrá-la casualmente, perguntou-lhe como iam os negócios. "Não me falou de dinheiro", mas contou-me: "Fui uma vez vender alguns artigos a uma casa onde costumava pedir esmola. De dentro responderam-me: "Venha noutro dia." Eu insisti: "Venho vender coisas."" ""Sr. Yunus", disse-me: "Foi a primeira vez na vida que me mandaram entrar e sentar numa casa.""
Ter uma receita por uma qualquer via, mesmo do RSI, é um bom começo. O trabalho realiza quem o desenvolve, aperfeiçoa-o, fá-lo aprender, ao reflectir sobre o que está a fazer, põe em jogo as potências e capacidades, lança-lhe desafios para superar os seus próprios limites. Dá compensações no âmbito intrínseco ao próprio trabalho e ultrapassa-o, para passar a ser como o cartão de apresentação, de identificação ocupacional na sociedade.
Aquela senhora ganha um "novo estatuto" que não tinha quando apenas mendigava. Por isso convidam-na a sentar e ela nota bem a diferença no trato. Recupera aos olhos dos outros, da sociedade, e, por reflexo, de si própria, o sentido da dignidade de pessoa, que não chegara a afirmar antes, apesar dela, porque não tinha trabalho.
Parece que estamos hoje numa encruzilhada complexa, em que se torna urgente criar trabalho para todos.
Por um lado, há pré-reformas para pessoas ainda com muito boa capacidade de trabalho e relativamente jovens. Dentro do mal, pode-se considerar uma sorte para quem esteja nesta situação; contudo, não será nada bom para eles, se se contentam que o seu percurso profissional fique truncado e não buscam novas formas de exercitar capacidades para serem úteis à sociedade.
Há umas semanas, a Fundação Champalimaud atribuiu, pela primeira vez, o prémio de 1 milhão de euros ao Aravind Eye Care System. Esta instituição foi surgindo, paulatinamente, da preocupação de um médico-cirurgião oftalmologista, dr. Venkataswami, ou dr. V, que, ao passar à reforma, aos 58 anos, como é habitual na Índia, do seu trabalho num hospital do Estado, decide continuar a trabalhar por conta própria, porque sabe da existência de milhões de cegos que com uma operação simples às cataratas podem recuperar a vista e manter-se a trabalhar. Lança, então, uma clínica com 11 camas, depois outra de 30 camas, para pobres que não podem pagar... E hoje o Aravind é um conjunto de cinco hospitais, com mais de 3500 lugares, dando mais de 1,7 milhões de consultas e fazendo mais de 250.000 operações às cataratas por ano!
Em muitos casos os pré-reformados terão recebido substanciais indemnizações, sobretudo de instituições financeiras, empresas em quase monopólio, multinacionais, etc. Não seria interessante tentarem lançar alguma iniciativa nos moldes do Aravind, dentro das competências profissionais desenvolvidas?
Por outro lado, muitos, à procura do seu primeiro emprego, tardam em encontrá-lo, sobretudo quando os estudos não foram completados, ou se se orientaram para carreiras mais humanísticas e não técnicas.
Com fábricas a fechar, porque não podem competir num mercado aberto e global, muitos têm dificuldades em reciclar-se, para encontrar novas ocupações, devido à idade e porque a instrução de base é fraca; outros, mesmo reciclados, não têm trabalho...
As iniciativas de novos negócios, tão necessárias à sociedade, tardam assim em chegar ou são em número insuficiente para criar os necessários postos de trabalho com conteúdo e sustentáveis. O que fazer?
O rendimento social de inserção é de justiça, é uma ajuda importante, sobretudo numa fase transitória, ou quando o destinatário está numa idade avançada e/ou, por qualquer motivo, não pode ser integrado no mundo do trabalho. Mas para os mais jovens deveriam criar-se mecanismos que promovessem a criação de postos de trabalho. Deixo aqui algumas ideias.
- Trabalhos remunerados ou não, no apoio ao terceiro sector. Em muitas IPSS, por exemplo, há pessoas que sabem cuidar muito bem das pessoas com determinado tipo de carências, mas faltam-lhes outras valências na organização administrativa, na contabilidade, na promoção e venda, etc. Muitos dos pré-reformados com um certo esforço de adaptação poderiam ser elementos de grande utilidade. E, ao fazê-lo, criariam mais emprego, pois uma boa organização permitiria ampliar o trabalho das IPSS.
- Mais de 300 Misericórdias realizam pelo país todo um trabalho social de categoria. Com um pouco mais de ambição poderiam ter maior profissionalização na gestão, melhor organização, mais valências, para desenvolverem mais actividade. De uma forma geral, quanto mais actividade e utilidade social percebida pelo público, mais são os donativos e legados que recebem, julgo.
- Para os que procuram o primeiro emprego, seria de facultar estágios de seis a 12 meses, para tarefas que em muitas das empresas não há tempo para realizar. Daí poderiam surgir novos postos de trabalho.
E este deveria ser justamente um dos aspectos-chave da responsabilidade social das empresas: fomentar a criação de novos postos de trabalho, explorando âmbitos esquecidos da vida da empresa, ao mesmo tempo que ela se tornava mais rendível.» [Público assinantes]
«A propósito do rendimento social de inserção (RSI), de que muito se tem falado, lembrei-me de um episódio referido pelo prof. Muhammad Yunus, criador do Grameen Bank, o banco de microcréditos do Bangladesh, e prémio Nobel da Paz, quando o interrogaram sobre o microcrédito mais significativo que ele concedera na sua vida. Contou que insistira com uma mulher, que vivia de esmolas, porque não havia trabalho para ela, que fizesse um empréstimo para comprar umas bugigangas e as vender, ganhando algo na transacção. Ela resistia, mas decidiu aceitar primeiro só uma parte, e depois o que o prof. Yunus sugeria, cerca de 2,5 dólares. Passado tempo, ao encontrá-la casualmente, perguntou-lhe como iam os negócios. "Não me falou de dinheiro", mas contou-me: "Fui uma vez vender alguns artigos a uma casa onde costumava pedir esmola. De dentro responderam-me: "Venha noutro dia." Eu insisti: "Venho vender coisas."" ""Sr. Yunus", disse-me: "Foi a primeira vez na vida que me mandaram entrar e sentar numa casa.""
Ter uma receita por uma qualquer via, mesmo do RSI, é um bom começo. O trabalho realiza quem o desenvolve, aperfeiçoa-o, fá-lo aprender, ao reflectir sobre o que está a fazer, põe em jogo as potências e capacidades, lança-lhe desafios para superar os seus próprios limites. Dá compensações no âmbito intrínseco ao próprio trabalho e ultrapassa-o, para passar a ser como o cartão de apresentação, de identificação ocupacional na sociedade.
Aquela senhora ganha um "novo estatuto" que não tinha quando apenas mendigava. Por isso convidam-na a sentar e ela nota bem a diferença no trato. Recupera aos olhos dos outros, da sociedade, e, por reflexo, de si própria, o sentido da dignidade de pessoa, que não chegara a afirmar antes, apesar dela, porque não tinha trabalho.
Parece que estamos hoje numa encruzilhada complexa, em que se torna urgente criar trabalho para todos.
Por um lado, há pré-reformas para pessoas ainda com muito boa capacidade de trabalho e relativamente jovens. Dentro do mal, pode-se considerar uma sorte para quem esteja nesta situação; contudo, não será nada bom para eles, se se contentam que o seu percurso profissional fique truncado e não buscam novas formas de exercitar capacidades para serem úteis à sociedade.
Há umas semanas, a Fundação Champalimaud atribuiu, pela primeira vez, o prémio de 1 milhão de euros ao Aravind Eye Care System. Esta instituição foi surgindo, paulatinamente, da preocupação de um médico-cirurgião oftalmologista, dr. Venkataswami, ou dr. V, que, ao passar à reforma, aos 58 anos, como é habitual na Índia, do seu trabalho num hospital do Estado, decide continuar a trabalhar por conta própria, porque sabe da existência de milhões de cegos que com uma operação simples às cataratas podem recuperar a vista e manter-se a trabalhar. Lança, então, uma clínica com 11 camas, depois outra de 30 camas, para pobres que não podem pagar... E hoje o Aravind é um conjunto de cinco hospitais, com mais de 3500 lugares, dando mais de 1,7 milhões de consultas e fazendo mais de 250.000 operações às cataratas por ano!
Em muitos casos os pré-reformados terão recebido substanciais indemnizações, sobretudo de instituições financeiras, empresas em quase monopólio, multinacionais, etc. Não seria interessante tentarem lançar alguma iniciativa nos moldes do Aravind, dentro das competências profissionais desenvolvidas?
Por outro lado, muitos, à procura do seu primeiro emprego, tardam em encontrá-lo, sobretudo quando os estudos não foram completados, ou se se orientaram para carreiras mais humanísticas e não técnicas.
Com fábricas a fechar, porque não podem competir num mercado aberto e global, muitos têm dificuldades em reciclar-se, para encontrar novas ocupações, devido à idade e porque a instrução de base é fraca; outros, mesmo reciclados, não têm trabalho...
As iniciativas de novos negócios, tão necessárias à sociedade, tardam assim em chegar ou são em número insuficiente para criar os necessários postos de trabalho com conteúdo e sustentáveis. O que fazer?
O rendimento social de inserção é de justiça, é uma ajuda importante, sobretudo numa fase transitória, ou quando o destinatário está numa idade avançada e/ou, por qualquer motivo, não pode ser integrado no mundo do trabalho. Mas para os mais jovens deveriam criar-se mecanismos que promovessem a criação de postos de trabalho. Deixo aqui algumas ideias.
- Trabalhos remunerados ou não, no apoio ao terceiro sector. Em muitas IPSS, por exemplo, há pessoas que sabem cuidar muito bem das pessoas com determinado tipo de carências, mas faltam-lhes outras valências na organização administrativa, na contabilidade, na promoção e venda, etc. Muitos dos pré-reformados com um certo esforço de adaptação poderiam ser elementos de grande utilidade. E, ao fazê-lo, criariam mais emprego, pois uma boa organização permitiria ampliar o trabalho das IPSS.
- Mais de 300 Misericórdias realizam pelo país todo um trabalho social de categoria. Com um pouco mais de ambição poderiam ter maior profissionalização na gestão, melhor organização, mais valências, para desenvolverem mais actividade. De uma forma geral, quanto mais actividade e utilidade social percebida pelo público, mais são os donativos e legados que recebem, julgo.
- Para os que procuram o primeiro emprego, seria de facultar estágios de seis a 12 meses, para tarefas que em muitas das empresas não há tempo para realizar. Daí poderiam surgir novos postos de trabalho.
E este deveria ser justamente um dos aspectos-chave da responsabilidade social das empresas: fomentar a criação de novos postos de trabalho, explorando âmbitos esquecidos da vida da empresa, ao mesmo tempo que ela se tornava mais rendível.» [Público assinantes]
POdem ler o meu comentário que ficou no post do jumento.
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