29.9.06

meditações de divã para o fim de semana


Cautela com as leituras de indicadores e efeitos perversos de medidas de eficácia, é o que traduz este artigo que li hoje no DN e com que concordo:
"Entidadas públicas no divã
Inúmeras organizações públicas têm adoptado, em vários países, sistemas de mediçã o da sua eficácia. Alega-se a necessidade de aplicar-lhes os princípios da gestão privada. Embora vários efeitos positivos possam daqui decorrer, são indubitáveis os paradoxos e os efeitos perversos. Importa compreendê-los para evitá-los ou minorá-los. Eis alguns exemplos:
1. A aprendizagem perversa. No British National Health Service, estipulou-se que os pacientes não deveriam aguardar mais do que dois anos na lista de espera para cirurgias. O tempo de espera realmente diminuiu. Todavia, as consultas (a partir das quais a contagem do tempo era feita) foram sendo adiadas - para que a contagem do tempo começasse mais tarde. Na realidade, o tempo de espera não diminuiu - apenas se criou um "estratagema" para "ajustar" a contagem.
2. Um paradoxo não intencional. Num estudo de Wiebrens e Essers, verificou-se que a percentagem de crimes resolvidos pela polícia holandesa baixara - sugerindo que o desempenho diminuíra. Todavia, maior quantidade de criminosos foi presa, acusada e penalizada - facto que sugere a melhoria do desempenho! O que sucedeu foi que o padrão de crimes desenvolveu-se de um modo que invalidou o indicador de desempenho usado. Por exemplo, o crime tornou-se mais violento, mas o indicador de desempenho não diferenciava crimes de maior e menor gravidade. Acresce que a polícia conseguiu prender mais criminosos pela prática de vários crimes - facto que reduziu a quantidade média de crimes por criminoso. Ou seja, a polícia não passou a ser menos eficaz - o indicador é que se tornou inapropriado.
3. Outro paradoxo não intencional. Suponha o leitor que uma agência de emprego tem como missão ajudar os desempregados mais carenciados (com menor formação e economicamente mais desfavorecidos). E admita que a eficácia da agência é medida pela quantidade de pessoas colocadas. Uma consequência possível é que a agência, para melhorar o "desempenho", focaliza-se nos indivíduos menos necessitados - pois tem mais facilidade em arranjar-lhes emprego. Viola a sua missão - mas é "eficaz"!
4. Os professores a colaborarem na batota? Suponha o leitor que as notas dos alunos nos testes nacionais determinam os orçamentos das escolas, os salários dos professores e as posições dos directores. Uma das possíveis consequências é que os professores e as escolas se focalizam mais nas perguntas que podem surgir nos testes do que na aprendizagem dos alunos propriamente dita. Algo deste teor foi identificado num inquérito do USA Today e da Associação Americana de Professores. Segundo Van Thiel e Leeuw, esta "batota" não só não ajuda o desenvolvimento intelectual e a formação dos estudantes como também pode aumentar o risco dos falhanços. Ou seja: o que se pretende que seja uma medida de eficácia acaba por se traduzir em ineficácia!
5. Desnatar o creme. "A desnatação do creme" é a tendência dos gestores para ignorarem os aspectos de uma política de avaliação da eficácia que podem prejudicar os seus scores. Por exemplo, uma organização pode decidir prestar bens e serviços apenas aos utentes menos dispendiosos ou mais "atraentes" para as medidas de eficácia. É o que ocorre quando um hospital, para diminuir os tempos de permanência dos doentes, recusa ou se "liberta" de doentes que necessitam de mais tempo.
Em suma: importa evitar que a medição da eficácia das organizações gere efeitos perversos sobre os destinatários dessas medidas. Tal como sugerimos em artigo anterior, há "muitas eficácias" que podem ser bastante ineficazes!
Arménio Rego / DN

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